sábado, 21 de fevereiro de 2015

ANALFABETISMO FUNCIONAL E A QUALIDADE DO ENSINO

ANALFABETISMO FUNCIONAL E A QUALIDADE DO ENSINO





Segundo dados do Instituto Paulo Montenegro e da Ação Educativa, tivemos certo progresso no Alfabetismo Funcional. Em 2001, 61% da população brasileira era alfabetizada funcionalmente, ou seja, tínhamos 39% de analfabetos funcionais. Já em 2011 era 73% a quantidade de alfabetizados funcionais, consequentemente 27% ainda amargavam à beira do alfabetismo funcional. Porém, isso de certa forma, ainda não é um dado a ser comemorado, pois o próprio instituto nos dá o que é ser alfabetizado e a escala de alfabetização, daí percebemos  que ainda falta muito para sair da zona de perigo.

Para entendermos melhor como isso funciona o próprio Instituto nos dá uma orientação sobre cada estágio do alfabetismo:

Analfabetismo funcional


Analfabeto - Corresponde à condição dos que não conseguem realizar tarefas simples que envolvem a leitura de palavras e frases ainda que uma parcela destes consiga ler números familiares (números de telefone, preços etc.);

Rudimentar - Corresponde à capacidade de localizar uma informação explícita em textos curtos e familiares (como um anúncio ou pequena carta), ler e escrever números usuais e realizar operações simples, como manusear dinheiro para o pagamento de pequenas quantias ou fazer medidas de comprimento usando a fita métrica;

Básico - As pessoas classificadas neste nível podem ser consideradas funcionalmente alfabetizadas, pois já leem e compreendem textos de média extensão, localizam informações mesmo que seja necessário realizar pequenas inferências, leem números na casa dos milhões, resolvem problemas envolvendo uma sequência simples de operações e têm noção de proporcionalidade. Mostram, no entanto, limitações quando as operações requeridas envolvem maior número de elementos, etapas ou relações; e

Pleno - Classificadas neste nível estão as pessoas cujas habilidades não mais impõem restrições para compreender e interpretar textos em situações usuais: leem textos mais longos, analisando e relacionando suas partes, comparam e avaliam informações, distinguem fato de opinião, realizam inferências e sínteses. Quanto à matemática, resolvem problemas que exigem maior planejamento e controle, envolvendo percentuais, proporções e cálculo de área, além de interpretar tabelas de dupla entrada, mapas e gráficos.

Ao lermos essa classificação vemos o quão é difícil sair de uma fase de alfabetismo rudimentar para, por exemplo, alfabetismo pleno.

Onde é que estamos errando? Pois ao vermos esses resultados e confrontamos com as declarações de um Ministro da Educação dizendo ser vontade do governo enxugar o currículo do Ensino Médio, nós, enquanto professores ficamos preocupados.

A título de ilustração citamos aqui um trecho do livro de Armindo Moreira – Professor não é Educador - em que uma professora de língua portuguesa defendia o uso de gírias, corruptelas e solecismos em sala de aula como algo normal, pois no entender dessa professora, o uso da língua-padrão nãos seria a única forma de alguém se expressar. Segue o trecho:

Dizia professora: Devemos ensinar os alunos a falarem como o povo fala. E prosseguiu: A gíria faz parte da linguagem do povo, por isso devemos usá-la em sala de aula. E também os solecismos, como nóis fumo, tu viu, treis milhão (...)são erros só para a classe dominante: para o povo não é.
Fiz notar à professora que, para ela, a palavra povo significava pessoa sem instrução. Ela concordou, mas não gostou.
(...) todo cidadão tinha o direito sagrado de aprender a língua-padrão (...) não lhe reconhecer esse direito gera desigualdades nocivas ao indivíduo e à sociedade. Lembrei que se a criança aprendesse a língua-padrão, poderia mais facilmente melhorar de vida. Ela afirmou que pobre sempre seria pobre, mesmo que instruído. Ela, simplesmente, disse que eu estava errado. “Então, eu concluí que, poderíamos contratar a zeladora para ministrar aulas de língua portuguesa – e a professora, com seu curso superior, iria procurar outro emprego”.

Brilhante a conclusão do professor Armindo. Se seguirmos a mesma linha de raciocínio também concluímos que o principal instrumento de dominação dos dominantes, leia-se opressores, é o conhecimento, a instrução. Então, para que os oprimidos se libertem e mudem esse jogo é necessário ensinar-lhes a língua-padrão, caso contrário iremos mantê-los sob o jugo das classes dominantes, sem chances de progresso na vida profissional.

Quando perguntamos: Qual o objetivo da escola?  Temos como resposta: - Educar para a vida. Que vida? Uma vida de pobreza? Sem condições de alçar um voo mais alto? 

Ao analisarmos os dados apresentados pelo Instituto Paulo Montenegro verificamos que a porcentagem de alfabetizados Plenos praticamente não mudou em dez anos de pesquisa, ficando em torno de 25%. Portanto, temos 75% da população entre os níveis Analfabeto, Rudimentar e Básico. Isso não é suficiente para um país, como o nosso, aspirar grandes voos, haja vista o Ideb, recentemente publicado.

Não conseguimos melhorar nossos indicadores e, talvez, seja esse relaxamento no ensino de língua portuguesa e matemática nosso grande entrave. Cabe dizer aqui que na matemática também temos aqueles que acham que basta aprender as quatro operações básicas, pois como disse a professora do exemplo: “pobre será sempre pobre, instruído ou não”. Um grande erro sem dúvida. E voltamos à nossa eterna dúvida: - A quem interessa um ensino sem qualidade?

Recentemente, na prova de redação do Enem 2014 ocorreu um fiasco sensacional, porém trágico. Mais de 500 mil alunos zeraram a prova de redação e apenas 250 conseguiram nota máxima, 248 mil foram anuladas por não obedecerem ao tema proposto, isso num universo de 6 milhões de estudantes. A mediocridade impera no meio estudantil, nossos alunos não sabem ler, falar e muito menos escrever a língua padrão.

Do total de alunos, apenas 250 são alfabetizados plenos e terão alguma chance durante a vida profissional outros são, como dizemos na gíria “meia boca”. A grande maioria, no entanto, podemos considerar como analfabetos funcionais e irão girar em torno, como satélites, ou como moscas em torno do doce, sem porém nunca prová-lo de fato. Não há remédio para isso, o mal está feito.

Os empregadores terão que arcar com o custo disso e a sociedade irá amargar os efeitos dessas políticas desastradas e inconsequentes. O país ficará patinando, como um carro no lamaçal, gastando seus recursos sem sair do lugar. Enquanto a educação for considerada política partidária e não como política de estado esses serão os resultados. Enquanto isso, “nóis fumo, agente vamos, menas” e outras desgraças mais continuarão a povoar o mundo desencantado dos jovens.         Não bastasse esse desalento, ainda temos professores que falando e escrevendo erradamente tal qual o aluno, querem se igualar por baixo, na tentativa de ser “bonzinho”, quando na verdade deveriam estar um patamar acima, exigindo que escrevessem corretamente, lessem corretamente, buscando o melhor para eles, fazendo com que adquiram vocabulário para poderem expressar suas ideias. Só assim, finalmente, teremos condições de sairmos da condição de país subdesenvolvido.

Referencias:
Instituto Paulo Montenegro e Ação Educativa mostram evolução do alfabetismo funcional na última década. Disponível em:

Moreira, A. Professor não é Educador. Charqueadas: Profeduc, 2012.

Omar de Camargo
Técnico Químico
Professor em Química
decamargo.omar@gmail.com

Ivan Claudio Guedes
Geógrafo e Pedagogo
ivanclaudioguedes@gmail.com

Referência para este artigo.

CAMARGO, O.; GUEDES, I.C. Analfabetismo funcional e qualidade do ensino. Gazeta Valeparaibana [online], São José dos Campos, 01 fev. 2015. Espaço Educação. Disponível em: http://gazetavaleparaibana.com/087.pdf Acesso em 21 fev. 2015.